21 outubro 2010

Heróis ou Vítimas por Jura Arruda

Abaixo um texto do nosso amigo Jura Arruda, muito interessante o ponto de vista explorado por ele. Parabéns Jura.

Trabalhavam em uma mina em Copiapó, no norte do Chile. Morreriam como viveram, no anonimato, após uma vida sem grandes feitos para a humanidade, mas com valor inestimável para seus familiares. Seriam 33 entre milhões. Mas uma desventura transformou a vida desses homens. Plantados na terra como sementes, levaram 69 dias para brotarem da escuridão e frutificarem valorizados. A mídia e as raposas do lucro imediato farejaram a história, bastava dar às vítimas um ar de heroísmo, gritar ao mundo que sobreviver em condição tão adversa era mais do que sorte, era escolha divina. O presidente chileno comprou a ideia e abraçou a causa midiática para elevar sua aprovação popular; um time de futebol distribuiu títulos de sócios vitalícios aos tão sortudos soterrados; uma empresa de computadores presenteou-os com tecnologia; produtores disputam o direito de levar ao cinema tão exuberante história; e o papa, querido amigo, rezou fervorosamente pelas 33 almas. Reza de papa tem força. Os mineiros do Chile, que padeciam no deserto, foram abençoados com a fama, a caridade sem fim de empresas, entidades e governo, e podem, agora, dar testemunhos da mudança em suas vidas, desde que lhe paguem um valor justo, claro. Irmanados, os sobreviventes combinaram dividir todo o lucro de entrevistas, participações em programas e eventos. E precisarão de boas calculadoras, porque além da mídia, dos produtores de cinema e do mercado publicitário, jogos de computador já estão prontos e disponíveis na internet.

Tevês, rádios, jornais, revistas e internet chamam de heróis as vítimas da incompetência administrativa dos donos da Mina San José. E eu pergunto: há heroísmo em sobreviver? Não, mídia! Não há heroísmo. Os mineiros soterrados e, por ventura, trazidos de volta à vida na superfície da terra, foram vítimas. Eles não salvarão o mundo. Poderão, no máximo, trazer mensagens de esperança; poderão, no máximo, ter a vida melhorada por conta dos valores que receberão para contar suas histórias, talvez nem tão dignas, talvez nem tão heróicas. Mas certamente abutres e raposas abraçarão cada um deles para obter lucro, às custas de ilusões.

Uma porcentagem dos 33 mineiros deve entender o que aconteceu e conter o deslumbramento que a mídia e o dinheiro oferecem. Uma porcentagem dos 33 mineiros deve olhar para a família e os amigos e desvendar a riqueza que já possuía. Uma porcentagem dos 33 mineiros vai entender a bonança depois da tempestade e aquietar a alma. Uma porcentagem dos 33 mineiros, no entanto, será consumida pela fama e pela cegueira. Que os óculos escuros que usavam ao sair da mina, não tirem deles a visão correta dos fatos: são vítimas, não heróis.

Gostou? Tem mais no Blog dele: http://jurandycesarrudianas.zip.net/

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